(A rede ferroviária do Douro está moribunda.
Temos auto-estradas que não usamos porque não há dinheiro para portagens, outras que ficaram a meio da construção, e quando queremos andar de comboio, não os temos.
A divisão da rede ferroviária numa rede de serviços públicos e numa rede de turismo, foi uma asneira que se está a pagar caro. A pagar com a própria extinção)
Ficamos a saber na última semana, e pela voz de um dos administradores da CP, Nuno Moreira, que aquela empresa vai manter o comboio a vapor no percurso histórico (ou o que resta dele) e que num futuro próximo (próximo? O que será futuro próximo? Daqui a dois meses?) não está prevista a supressão de qualquer de qualquer comboio na linha do Douro.
Estas declarações vieram na sequência de um recente acordo entre a CP e a Turismo de Portugal, no que se refere à rede ferroviária (?) da região e a vertente turística.
Ouviu-se o senhor administrador, e só acreditou quem quis. Aliás, pareceu-me muito suspeita esta gentil conferência que fez deslocar um administrador da CP, de Lisboa até ao inóspito Douro, mais precisamente, à Régua.
Quem não pareceu muito convencido, foi o Presidente da Câmara da Régua, Nuno Gonçalves, que se sentou ao lado do senhor administrador. E fez bem em duvidar, porque de cada vez que vem aqui alguém da capital prometer alguma coisa, é certo e sabido chegar lá baixo e mandar-nos uma bordoada.
Pouco depois de se ter anunciado a destruição da linha do Tua, quando praticamente já não existe rede ferroviária na região e quando ainda recentemente foram suprimidas várias ligações ao Porto, anúncios como os que ouvimos, nem aquentam nem arrefentam.
Mas vamos aos factos.
A insistência no “comboio a vapor” e nos custos que acarreta, é algo que não tem cabimento. Os tempos mudam, e não é o vapor do comboio que nos preocupa. Se entendem que não é sustentável, mudem-no, electrifiquem-no. A questão turística não está no “comboio a vapor” mas sim na manutenção de uma certa estética tradicional das carruagens, no seu interior de época, e não no meio que as fazem deslocar-se. Hoje em dia sabe-se da periculosidade das vias a vapor (no que se refere à poluição, como provocadora de incêndios, etc.)
A manutenção dos percursos históricos não está dependente dos condicionalismos das máquinas a vapor. Está dependente da vontade de os manter e desenvolver. Está dependente de projectos globais.
E é aqui que a coisa fede.
Porque não se pode pensar somente na rede histórica. Tem que se pensar na globalidade da rede, como serviço público, meio essencial de deslocação de populações e de mercadorias, e também, claro, na sua vertente turística. Por se andar a separar estas coisas, e não se tratar o assunto como sendo um projecto integrado, que nos andam a cortar troços de rede, a suprimir comboios, a espremer horários.
Não há uma rede ferroviária para serviços públicos e outra para fins turísticos. Pelo simples motivo de que, para além desta separação ser muito cara, ambas andarem nos mesmos carris. Não há vias diferentes.
O problema fulcral da nossa rede ferroviária, que está moribunda no interior do país, é que ela nunca foi considerada como um factor de desenvolvimento, mas como um meio de transporte desactualizado que só se justifica se for rentável. E chegamos a este cúmulo ridículo: não andamos nas auto-estradas porque não temos dinheiro para nelas circular, e não andamos de comboio porque não os temos.
A desorganização geral deste país e os interesses que regem estas empresas, que funcionam como quintarolas onde cada um trata do seu gado, já nos conduzirem para este beco sem saída.
Nas auto-estradas os interesses privados são uns, na rede ferroviária os interesses são outros.
Nunca ninguém pensou em complementar as duas redes, para que as populações ficassem satisfatoriamente servidas por meios de transporte ou vias onde circular.
Por isso, estes conselhos de administração que andam por aí a desculpar as asneiras da governação, e que vêm cá quando é preciso acalmar os descontentamentos, são o que se espera deles: que cumpram o seu papel de administradores da treta.
Numa altura de privatizações globais, não nos espanta este corrupio em volta da estratégia da estabilidade, de forma a garantir a paz momentânea que vai permitir a alienação das nossas redes ferroviárias para os privados.
Há (ou devia haver) uma rede ferroviária no Douro, que integrasse todas as componentes da vida económica e turística da região. Uma rede que se complementasse com a rede viária. Não devíamos andar a tratar este assunto de uma forma avulsa, mendigando cada um o seu quinhão.
Visto sob o ponto de vista do planeamento com pés e cabeça, devíamos estar a estudar planos globais para a região, da qual a rede ferroviária faria parte, e não andar aos remendos, hoje aqui, amanhã ali.
A rede ferroviária no Douro, (e em Trás-os-Montes) já foi.
Mais um abanão e cai de vez. Como já caíram as auto-estradas, os hospitais, as maternidades, os centros de saúde, o INEM, as freguesias, os Tribunais.
Por estes lados, tudo é para cair.
A lógica da governação, comandada por gente que não se apresentou às urnas e que impôs a Passos Coelho um caderno governativo a favor dos seus interesses, assim anda a decretar.
Passos Coelho, credor desta gente, governa como eles lhe mandam.
Gente que já mandou em Sócrates e há-de mandar em Seguro.
Não se pensa a governação como um acto de inteligência ao serviço das populações, mas como um meio de concretizar negociatas.
Pelo meio, a tragédia do interior que, dia-a-dia, é vítima desta lógica governativa, concentracionista, parcial, interesseira, servindo a avidez de alguns.
O Douro, muito brevemente, irá ficar sem rede ferroviária.
Rapa aqui, rapa ali, e lá vão acabando com ela.
Por muitas promessas que administradores nos façam.
Avisei.
Por Francisco Gouveia, Eng.º
gouveiafrancisco@hotmail.com